Em 2021, publiquei na Folha reportagens sobre documentos secretos do Exército, que controla um dos órgãos de “inteligência” fornecedores de dados ao Sisbin. Os papeis revelaram que, sob Fernando Henrique, a bisbilhotagem oficial ainda classificava movimentos sociais como “forças adversas” e admitia “arranhar direitos dos cidadãos” em nome da manutenção da ordem pública.
O papelório confidencial expôs, pela primeira vez desde a redemocratização do país, os subterrâneos da máquina de espionagem do Exército. Continha cartilhas, manuais, relatórios e até fichas de informantes e colaboradores. O material aniquilou a tese segundo a qual a extinção do SNI dera lugar a um modelo de inteligência apartidário e submetido ao controle do Congresso.
“Arbítrio necessário”
Os documentos equiparavam movimentos populares como o MST ao narcotráfico e ao crime organizado. Tratava-os como adversários que, em certas ocasiões, poderiam ser “eliminados”. Dizia-se, na época, que a “inteligência” oficial já havia sofrido profundas modificações. FHC criara, em junho de 1994, primeiro ano de sua gestão, a Escola de Inteligência Militar do Exército, em Brasília.
Era o ápice de um processo de reformulação iniciado em 1992. A escola deveria reeducar velhos arapongas e formar espiões para os novos tempos. Entretanto, uma das apostilas usadas num curso ministrado em setembro de 1997 continha lições contraditórias. As contradições eram mais eloquentes num capítulo dedicado à análise de “mecanismos jurídicos de ação contra a subversão”.
Num trecho, a peça anotava que o Estado deve agir “sempre dentro da lei” na repressão às tentativas de “tomada do poder através de ações extralegais”. Noutro, dizia coisas assim: “Sabemos que, para atingir esses objetivos, é muitas vezes necessário até arranhar direitos dos cidadãos, numa espécie de arbítrio necessário. É nesse quadro que se inserem todas as atividades de defesa da segurança interna, integradas nos diversos órgãos, militares ou não, que cuidam da segurança”.


