Porque, além disso, nenhuma biblioteca na vida real de um presidente consegue manter tanta ordem como a que há nas estantes. Haverá disputas entre as diferentes doutrinas e haverá conflitos de interesses entre os diferentes atores.
Há demasiadas mãos “invisíveis” e poderosas que, no final, atuarão como os verdadeiros criadores do que Milei chama de “a ordem libertária espontânea”, que é simplesmente a mesma ordem que o neoliberalismo vem defendendo há meio século.
Este poderia ser o futuro da Argentina, a menos que ocorra um acontecimento social não tão improvável: que uma grande percentagem dos que o apoiaram eleitoralmente comecem a se oporem politicamente.
Este fenômeno, que pode parecer utópico nos primeiros momentos, acontece com mais regularidade do que se imagina ao longo do tempo. Sobretudo quando o presidente confunde os votos do segundo turno com a sua verdadeira base; e quando não sabe diferenciar entre o volume de cidadãos que o elegeram num cenário condicionado em que há muito voto “anti” (55%) e aqueles que verdadeiramente confiaram nele, tanto nas PASO (eleições primárias) como no primeiro turno (30%).
Além disso, este quase terço é muito heterogêneo e, além disso, muito volátil. Vai e vem. Hoje escolhem uma canção e amanhã outra. Um assunto cada vez mais característico das Democracias Spotify que estão emergindo globalmente.
O fim da fidelidade (para sempre) a um partido político permitiu, entre outras coisas, que Milei se tornasse presidente. Mas, paradoxalmente, este mesmo traço da época pode também ser a causa de uma perda acelerada de meios de sustentação, se não resolver o mais rapidamente possível os problemas cotidianos das pessoas. Porque as necessidades nunca têm paciência.
Se Milei acredita que pode continuar a fazer campanha como se nada tivesse acontecido, e que tudo se resolve comunicando, com falsos diagnósticos e propostas genéricas, o mileísmo não ganhará a batalha política. Nem a batalha cultural. Porque para que as ideias triunfem, os fatos e as suas consequências não podem ser negligenciados.
(*) Alfredo Serrano Mancilla é PhD em economia pela Universidade Autônoma de Barcelona (UAB). Ele é especialista em economia pública, desenvolvimento e economia global. É colunista convidado do Página 12, La Jornada, Público, Russia Today, e atual diretor executivo do Centro Estratégico Latino-Americano de Geopolítica (CELAG).
(*) Tradução de Raul Chiliani