É impressionante a força das palavras. Para quem crê, muito mais força devem ter as palavras que são místicas. Como as da Bíblia.
O ex-presidente Jair Bolsonaro passou todo o seu governo repetindo como um mantra uma frase do capítulo 8 do Evangelho de João no Novo Testamento: “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.
As 135 páginas da decisão proferida na quinta-feira (8) pelo ministro Alexandre de Moraes à petição 12.100 da Polícia Federal, que resultou nas operações que tiveram como alvos o próprio Bolsonaro e diversas pessoas muito próximas dele, incluindo o ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência general Augusto Heleno, trazem à tona boa parte da verdade do que se tramou por trás das paredes do Palácio do Planalto e adjacências e culminaram com os atos do dia 8 de janeiro. E, conhecida a verdade, fica clara que ela não será nada libertadora para ele. Ao contrário, começa a parecer mais concreto que a verdade o prenderá. Até porque nem tudo está conhecido ainda.
Bolsonaro passou os quatro anos de seu governo esgrimindo a verdade com uma mentira. Ou, na melhor das hipóteses, com uma suspeita que não teve a mais mínima chance de comprovar: que as eleições brasileiras e seu processo eletrônico de votação produziriam uma fraude que levaria à eleição de Luiz Inácio Lula da Silva e à sua derrota.
É uma impressionante tentativa de distorção da realidade e criação de um mundo paralelo. Que Donald Trump tentou da mesma forma nos Estados Unidos. Pessoas que estão no poder e no controle das suas ferramentas tentam a todo custo convencer que, na verdade, são vítimas do poder que detêm. Que há um sistema atuando contra elas, quando ninguém está mais bem posicionando no topo desse sistema.
Se houvesse de fato qualquer possibilidade de fraude no uso das urnas eletrônicas, ninguém teria mais capacidade de chegar a essa verdade que o presidente da República. Que as pessoas – Forças Armadas, inclusive – que posicionou dentro da Justiça Eleitoral para verificar. O então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luis Roberto Barroso, franqueou as portas para a investigação do sistema de votação. E há, inclusive, quem o critique por isso.
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Se houvesse de fato qualquer possibilidade de fraude no uso das urnas eletrônicas, e se Bolsonaro não fosse alguém dentro e no comando do sistema, esse sistema teria evitado que ele se tornasse presidente em 2018. E hoje não estaríamos aqui assistindo às operações da Polícia Federal, às buscas e apreensões e às prisões.
Quando apareceu na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres uma cópia da tal minuta de golpe, Bolsonaro negou conhecê-la. “Não tomei conhecimento desse documento, dessa minuta”, disse, na ocasião. Agora, os documentos e conversas mostram que não há como negar. Bolsonaro conheceu, sim, a minuta de golpe. Recebeu das mãos de seu assessor Filipe Martins e do advogado Amauri Saad a proposta de decretação de Estado de Defesa para anular as eleições presidenciais do ano passado.
Não apenas recebeu, como mandou alterar o texto. Primeiro, pediu que o texto ficasse mais enxuto retirando vários dos “Considerandos” (as alegações iniciais que embasam decretos). Depois, mais grave, tratou claramente da prisão de autoridades. Numa primeira versão, o decreto mandava prender também o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Bolsonaro mandou manter somente a prisão do presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre de Moraes.
Então, Augusto Heleno, em determinado momento diz: “Não vai ter VAR. Se tiver que ter soco na mesa, é antes das eleições”.
Conhecereis a verdade e a verdade vos prenderá…
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