Os 5 melhores livros de 2023, publicados no Brasil, até agora

Nine

Somos constantemente desafiados a encontrar motivos que ratifiquem nossa crença na vida, ignorando o abatimento que embrutece e paralisa; combatendo a melancolia, que na dose imprópria, deixa o céu nebuloso da hígida reflexão e avança ao pântano da dúvida imanente e ubíqua, acerca de qualquer um e em qualquer parte; dobrando o que nos tenta fazer renunciar ao sonho de dias menos sombrios e gente mais risonha, o ideal mais elementar e mais cheio de ardis que se pode querer. Num só movimento, viver torna-se uma cornucópia de luzes e sombras que se atraem e se repelem, e se equivalem; subidas e descidas bruscas, repentinas, nauseantes, como num brinquedo macabro; entradas e saídas de labirintos claustrofóbicos que ficam tanto mais estreitos na proporção em que nos deparamos com nossas humanas limitações, agudizando a impressão de que no espírito do homem há mesmo lugar para todos os sonhos, mas nele encrustam-se igualmente muitas das côdeas que enxovalham o mundo para muito além da vã filosofia deste plano tão rasteiro.

Nascemos mergulhados em traumas muito particulares, guardados no mais secreto de cada um, sufocados por incertezas de toda ordem, dilemas existenciais cujo peso só nós mesmos podemos sentir, e isso já seria o bastante para tachar o homo sapiens como a mais desgraçada das espécies. Urge ao infeliz do gênero humano que o avalizem quanto ao que ele é ou deixa de ser, e essa é outra catástrofe irremediável do ser gente. As grandes transformações sociais começam dentro do indivíduo, daí não ser viável, à luz do pensamento de gênios como Arthur Schopenhauer (1788-1860) uma pretensa salvação do homem. No clássico “O Mundo como Vontade e Representação”, publicado em 1818, o filósofo, um dos pensadores que se celebrizaram pelo pessimismo, ao lado do dinamarquês Soren Aabye Kierkegaard (1813-1855) e do também alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900) —, prega que a verdade está sempre cercada da ideia do que julgamos como verdadeiro, e, em assim sendo, somos incapazes de discernir o certo do errado, o que, por turno, interdita ao ser humano a felicidade. Na mais rosicler das hipóteses, podemos arranjar nossa própria redenção, mediante a confissão de nossos desvios e, claro, o arrependimento sincero que coroa a jornada.

Se para Schopenhauer, Kierkegaard e Nietzsche, a trindade profana do niilismo que salva e condena o homo sapiens sapiens, Deus depende das experiências do homem para viver em seu meio, para o bem ou para o mal, o holandês Baruch de Spinoza (1632-1977) defendia que a natureza de divindade de um ente capaz de reger todos os outros residia exatamente no seu caráter de poder se imiscuir a tudo, afinal, todos os seres e mesmo todas as coisas têm seu lado luminoso, celestial, e sua porção sombria, que nunca é dada ao acaso e existe como se obedecendo a uma determinação do próprio Altíssimo. Para muitos estudiosos contemporâneos que se detêm sobre a produção de Spinoza, é dificílimo entender por que Deus, que tudo sabe, que vê todas as coisas que se acontecem desde o princípio dos tempos, inclusive as que ainda nem saíram do coração do homem, molda uma criatura à sua semelhança e imagem, mas uma criatura imperfeita, que peca, que rouba, que mata e, não satisfeito — malgrado saiba que o homem é fraco e que suas debilidades levam-no a ser cruel —, o pune por suas faltas, quando, Nome sobre todo nome, deveria interferir e apartar-lhe da alma o ímpeto bestial. Será por isso que males como pandemias grassam sobre a Terra de tempos em tempos?

Como não há morbo que consiga prolongar-se ad aeternum, o homem cria beleza, mesmo caminhando sobre a morte. Nos cinco títulos da lista que compusemos, percebe-se uma medida do espírito de sábios de antanho, bem como a necessidade vital de pegar pelos chifres o destino e a atávica sanha de vencer a miséria, de dar cabo da submissão de que se nutre a injustiça e proclamar-se, enfim, livre. Último volume da trilogia sobre um profeta nada convencional, em “A Morte de Jesus”, o sul-africano J.M. Coetzee denuncia suas frustrações e confessa suas esperanças no que pode vir a ser uma outra civilização, partilhando da descrença do leitor. Coetzee, Nobel de Literatura em 2003, abre um enorme panorama, multicolorido e cinzento, sobre o destino da humanidade, perdida desde sempre nas ilusões de redenção que não cansa de alimentar. Já no quase inclassificável “Morte em suas Mãos”, Ottessa Moshfegh recria uma modalidade literária pela qual o público nunca se desinteressa, talvez aplicando à pena elementos que remetem a sua origem plural. Filha de mãe croata e pai iraniano, Moshfegh, nascida em Boston, renova o fôlego da narrativa policial, ao passo que também deixa clara sua vontade de, uma vez mais, sacar do desencanto e da inadequação que já se constituem uma marca — e, em muitos casos, um estigma — de seus textos. “A Morte de Jesus”, “Morte em suas Mãos” e mais três livros, elencados a partir do ano de publicação (da mais recente para a mais antiga, e em ordem alfabética quando de um empate), confirmam nossa vocação para a infelicidade e o bizarro da vida, capturando a atenção do mercado editorial brasileiro e de quem, com a licença do trocadilho, não o deixa perecer.

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