O número de casamentos entre pessoas LGBTQIA+ mais do que dobrou entre 2014 e 2024 no estado de São Paulo, indica o Portal da Transparência do Registro Civil, administrado pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen Brasil).
De acordo com os dados, o número de uniões oficializadas saltou de 2.050, em 2014, para 4.848 em 2024 — aumento de mais de 136%.
Ao todo, 38.525 casais igualitários, como a união entre pessoas do mesmo sexo é conhecida, foram oficializados pelos cartórios paulistas desde maio de 2013, quando foi regulamentado no Brasil o casamento realizado diretamente no cartório.
Naquele ano, houve a edição da Resolução nº 175/2013, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que regulamentou o ato em todo o território nacional, com base em decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
Conforme a Arpen, os mais de 4,8 mil casamentos homoafetivos registrados no ano passado representam o maior número desde que o ato foi regulamentado nacionalmente. Já nos cinco primeiros meses de 2025, mais de 1.960 casais já formalizaram a união.
Casais comemoram oficialização da união
Olga Osipova e Ekaterina Nenakhova saíram da Rússia, onde a população LGBTQIA+ é considerada “extremista”, e se mudaram para Caraguatatuba, no litoral de São Paulo, onde dizem que se sentirem livres para viverem como companheiras.
As duas oficializaram a união em um casamento civil, no cartório do município, neste mês de junho, o “mês do orgulho”, como elas destacaram à reportagem.
Ekaterina, que se apresenta como Cat, disse que estava preocupada antes do casamento, e que esperava algum comentário ou reação homofóbica. No entanto, ela se surpreendeu.
“O sentimento de você poder entrar num cartório junto com outros casais héteros, entendendo que você tem o mesmo direito, é uma coisa muito, muito… Tipo, a sua mente explode”, disse.
Segundo elas, as reações esperadas foram totalmente o contrário, e a cartorária chegou a se emocionar quando viu as duas prestes a formalizarem a união.
“Realmente é uma emoção incrível, não tem como descrever, ainda mais depois de morar a sua vida (toda num país onde você basicamente não pode fazer nada, nem demonstrar afeto em público”, relatou Cat.
Um sentimento parecido foi descrito pelo analista de treinamento e desenvolvimento José Andson de Maria Brasil, quando se casou com o agente de saúde Wagner Bruno Ferreira da Silva, em janeiro de 2022, também em um cartório de SP.
“[Tive um] sentimento de liberdade de ser quem verdadeiramente eu sou, de ter aceitado minha orientação sexual. E sensação de muita felicidade por ter encontrado meu parceiro com o qual estou há 6 anos, o que completou em 15 de fevereiro deste ano”, disse Andson.
Anos antes de conhecer o atual marido, o analista de treinamento e desenvolvimento foi seminarista na Igreja Católica, decisão que tomou na tentativa de esconder sua sexualidade.
“Fui muito influenciado por conta da minha avó, que queria um padre na família. Eu fui pra comer bem e fazer uma faculdade lá, pois eu sabia que eu não tinha vocação”, contou.
Ele ficou na Igreja até os 19 anos de idade, quando decidiu abandonar as antigas crenças e investir em quem é.
“Um recado que repasso para todas as pessoas que estão em seminário ou que querem entrar num seminário por medo de ser quem são, é que tenham coragem de se aceitar, pois não tem coisa melhor do que sermos quem somos e sermos livres”, disse o analista de treinamento e desenvolvimento.
Retificações de gênero
- Os dados da Arpen também revelam o crescimento das retificações de gênero em SP. Regulamentadas desde 2018, por meio do Provimento nº 73/2018 do CNJ, as alterações preveem mudanças como nome e sexo nos documentos oficiais.
- De acordo com a associação, houve 1.687 alterações de gênero realizadas em 2024, em SP, representando um crescimento de 4,2% em relação a 2023, quando foram registrados 1.619 atos.
- O total do ano passado também é 59% maior que o de 2019, cinco anos antes, quando foram feitas 1.061 retificações.
- Desde 2020, mais de 7,2 mil retificações de gênero foram realizadas nos Cartórios de Registro Civil de SP.
- De janeiro a maio de 2025, 725 mudanças de gênero já foram registradas, indicando um possível crescimento ao final do ano, afirmou a Arpen.
Arpen comemora números
“Cada casamento celebrado e cada alteração de nome e gênero formalizada nos cartórios representa muito mais do que um ato burocrático — é o reconhecimento da dignidade, da identidade e do direito de cada pessoa viver plenamente quem ela é”, afirma a presidente da Arpen-SP, Karine Boselli.
“O registro civil tem esse papel fundamental: transformar a cidadania em realidade, com segurança jurídica, acolhimento e respeito às escolhas individuais. É uma honra para os cartórios de São Paulo fazerem parte da história de milhares de pessoas que constroem, todos os dias, um futuro mais igualitário e inclusivo”, completa.
Como oficializar casamentos LGBTQIA+ e retificar o gênero nos documentos
Para realizar o casamento civil, é necessário que os noivos, acompanhados de duas testemunhas (maiores de 18 anos e com seus documentos de identificação), compareçam ao Cartório de Registro Civil da região de residência de um dos noivos para dar entrada na habilitação do casamento.
No momento da oficialização, é preciso apresentar:
- Certidão de nascimento (se solteiros)
- Certidão de casamento com averbação de divórcio (para os divorciados)
- Certidão de casamento averbada com óbito do cônjuge (para os viúvos)
- Documento de identidade e comprovante de residência
O valor do casamento é tabelado em cada estado e pode variar de acordo com a escolha do local da cerimônia — isto é, na sede do cartório ou fora dela (em diligência).
Para a alteração de nome e gênero, é necessário apresentar todos os documentos pessoais, comprovante de endereço e certidões dos distribuidores cíveis e criminais (estaduais e federais) dos últimos cinco anos, além das certidões de execução criminal, dos Tabelionatos de Protesto e da Justiça do Trabalho. Após análise documental, o oficial de registro realiza uma entrevista com a pessoa interessada.
A Arpen destaca que não é necessário laudo médico ou psicológico para a realização do ato. Eventuais apontamentos nas certidões não impedem a mudança, cabendo ao cartório comunicar os órgãos competentes sobre a alteração realizada. A emissão dos demais documentos (como RG e CPF) deve ser solicitada diretamente aos órgãos responsáveis.
Para acessar a cartilha completa feita pela Arpen com orientações para o público, clique aqui.
Fonte original: Metropoles.com